Uma componente do sistema climático da terra é representada pela interação entre a superfície dos oceanos a baixa atmosfera adjacente a ele. Os processos de troca de energia e umidade entre eles determinam o comportamento do clima, e alterações destes processos podem afetar o clima regional e global.
El Niño representa o aquecimento anormal das águas superficiais e sub-superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. A palavra El Niño é derivada do espanhol, e refere-se a presença de águas quentes que todos os anos aparecem na costa norte de Peru na época de Natal. Os pescadores do Peru e Equador chamaram a esta presença de águas mais quentes de Corriente de El Niño em referência ao Niño Jesus ou Menino Jesus. Na atualidade, as anomalias do sistema climático que são mundialmente conhecidas como El Niño e La Niña representam uma alteração do sistema oceano-atmosfera no Oceano Pacífico tropical, e que tem conseqüências no tempo e no clima em todo o planeta. Nesta definição, considera-se não somente a presença das águas quentes da Corriente El Niño mas também as mudanças na atmosfera próxima à superfície do oceano, com o enfraquecimento dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste) na região equatorial. Com esse aquecimento do oceano e com o enfraquecimento dos ventos, começam a ser observadas mudanças da circulação da atmosfera nos níveis baixos e altos, determinando mudanças nos padrões de transporte de umidade, e portanto variações na distribuição das chuvas em regiões tropicais e de latitudes médias e altas. Em algumas regiões do globo também são observados aumento ou queda de temperatura. A figura abaixo mostra a situação observada em dezembro de 1997, no pico do fenômeno El Niño 1997/98.
Anomalia de temperatura da superfície do mar em dezembro de 1998 mostrada na figura acima. Os tons avermelhados indicam regiões com valores acima da média e os tons azulados as regiões com valores abaixo da média climatológica. Pode-se notar a região no Pacífico Central e Oriental com valores positivos, indicando a presença do El Niño. Dados cedidos gentilmente pelo Dr. John Janowiak - CPC/NCEP/NWS/NOAA-EUA.
Que é o El Niño-Oscilação Sul (ENOS) ?
Talvez a melhor maneira de se referir ao fenômeno
El Ninõ seja pelo uso da terminologia mais
técnica, que inclui as caraterísticas
oceanicas-atmosféricas, associadas ao aquecimento
anormal do oceano Pacifico tropical. O ENOS, ou
El Niño Oscilação Sul representa
de forma mais genérica um fenômeno
de interação atmosfera-oceano, associado
a alterações dos padrões normais
da Temperatura da Superfície do Mar (TSM)
e dos ventos alísios na região do
Pacífico Equatorial, entre a Costa Peruana
e no Pacifico oeste próximo à Austrália.
Além de índices baseados nos valores
da temperatura da superfície do mar no Oceano
Pacifico equatorial, o fenômeno ENOS pode
ser também quantificado pelo Índice
de Oscilação Sul (IOS). Este índice
representa a diferença entre a pressão
ao nível do mar entre o Pacifico Central
(Taiti) e o Pacifico do Oeste (Darwin/Austrália).
Esse índice está relacionado com as
mudanças na circulação atmosférica
nos níveis baixos da atmosfera, conseqüência
do aquecimento/resfriamento das águas superficiais
na região. Valores negativos e positivos
da IOS são indicadores da ocorrência
do El Niño e La Niña respectivamente.
Algumas observações:
Evento
de El Niño e La Niña tem uma tendência
a se alternar cada 3-7 anos. Porém, de um
evento ao seguinte o intervalo pode mudar de 1 a
10 anos;
As intensidades dos eventos variam bastante de caso
a caso. O El Niño mais intenso desde a existência
de "observações" de TSM
ocorreu em 1982-83 e 1997-98.
Algumas vezes, os eventos El Niño e La Niña
tendem a ser intercalado por condições
normais. Como funciona a atmosfera durante uma situação
normal e durante uma situação de El
Niño?: El Niño resulta de uma interação
entre a superfície do mar e a baixa atmosfera
sobre o Oceano Pacifico tropical. O inicio e fim
do El Niño e determinado pela dinâmica
do sistema oceano-atmosfera, e uma explicação
física do processo é complicada Para
que o leitor possa entender um pouco sobre isso,
propõe-se um "modelinho simples",
extraído do livro
El Niño e Você,
de
Gilvan Sampaio de Oliveira.
1) Imagine uma piscina (obviamente com água dentro), num dia ensolarado;
2) Coloque numa das bordas da piscina um grande ventilador, de modo que este seja da largura da piscina;
3) Ligue o ventilador;
4) O vento irá gerar turbulência na água da piscina;
5) Com o passar do tempo, você observará um represamento da água no lado da piscina oposto ao ventilador e até um desnível, ou seja, o nível da água próximo ao ventilador será menor que do lado oposto a ele, e isto ocorre pois o vento está "empurrando" as águas quentes superficiais para o outro lado, expondo águas mais frias das partes mais profundas da piscina.
É exatamente isso que ocorre no Oceano Pacífico
sem a presença do El Niño, ou seja,
é esse o padrão de circulação
que é observado. O ventilador faz o papel
dos ventos alísios e a piscina, é
claro, do Oceano Pacífico Equatorial. Águas
mais quentes são observadas no Oceano Pacífico
Equatorial Oeste. Junto à costa oeste da
América do Sul as águas do Pacífico
são um pouco mais frias. Com isso, no Pacífico
Oeste, devido às águas do Oceano serem
mais quentes, há mais evaporação.
Havendo evaporação, há a formação
de nuvens numa grande área. Para que haja
a formação de nuvens o ar teve que
subir. O contrário, em regiões com
o ar vindo dos altos níveis da troposfera
(região da atmosfera entre a superfície
e cerca de 15 km de altura) para os baixos níveis
raramente há a formação de
nuvens de chuva. Mas até onde e para onde
vai este ar ? Um modo simplista de entender isso
é imaginar que a atmosfera é compensatória,
ou seja, se o ar sobe numa determinada região,
deverá descer em outra. Se em baixos níveis
da atmosfera (próximo à superfície)
os ventos são de oeste para leste, em altos
níveis ocorre o contrário, ou seja,
os ventos são de leste para oeste. Com isso,
o ar que sobe no Pacífico Equatorial Central
e Oeste e desce no Pacífico Leste (junto
à costa oeste da América do Sul),
juntamente com os ventos alísios em baixos
níveis da atmosfera (de leste para oeste)
e os ventos de oeste para leste em altos níveis
da atmosfera, forma o que os Meteorologistas chamam
de célula de circulação de
Walker, nome dado ao Sir Gilbert Walker. A abaixo
mostra a célula de circulação
de Walker, bem como o padrão de circulação
em todo o Pacífico Equatorial em anos normais,
ou seja, sem a presença do fenômeno
El Niño. Outro ponto importante é
que os ventos alísios, junto à costa
da América do Sul, favorecem um mecanismo
chamado pelos oceanógrafos de ressurgência,
que seria o afloramento de águas mais profundas
do oceano. Estas águas mais frias têm
mais oxigênio dissolvido e vêm carregadas
de nutrientes e micro-organismos vindos de maiores
profundidades do mar, que vão servir de alimento
para os peixes daquela região. Não
é por acaso que a costa oeste da América
do Sul é uma das regiões mais piscosas
do mundo. O que surge também é uma
cadeia alimentar, pois os pássaros que vivem
naquela região se alimentam dos peixes, que
por sua vez se alimentam dos microorganismos e nutrientes
daquela região.
Circulação
observada no Oceano Pacífico Equatorial
em anos sem a presença do El Niño
ou La Niña, ou seja, anos normais.
A célula de circulação
com movimentos ascendentes no Pacífico
Central/Ocidental e movimentos descendentes
no oeste da América do Sul e com ventos
de leste para oeste próximos à
superfície (ventos alísios,
setas brancas) e de oeste para leste em altos
níveis da troposfera é a chamada
célula de Walker. No Oceano Pacífico,
pode-se ver a região com águas
mais quentes representadas pelas cores avermelhadas
e mais frias pelas cores azuladas. Pode-se
ver também a inclinação
da termoclima, mais rasa junto à costa
oeste da América do Sul e mais profunda
no Pacífico Ocidental. Figura gentilmente
cedida pelo Dr. Michael McPhaden do Pacific
Marine Environmental Laboratory (PMEL)/NOAA,
Seattle, Washington, EUA.
Deve
ser notado, na figura acima, que existe uma região
chamada de termoclina onde há uma rápida
mudança na temperatura do oceano. Esta região
separa as águas mais quentes (acima desta
região) das águas mais frias (abaixo
desta região). Os ventos alísios "empurrando"
as águas mais quentes para oeste, faz com
que a termoclina fique mais rasa do lado leste,
expondo as águas mais frias.
Vamos agora voltar ao nosso "modelinho".
Vamos imaginar o seguinte:
Desligue o ventilador, ou coloque-o em potência
mínima. O que irá acontecer?
Agora, o arrasto que o vento estava provocando na
água da piscina irá desaparecer ou
diminuir. As águas do lado oposto ao ventilador
irão então refluir para que o mesmo
nível seja observado em toda a piscina. O
Sol continuará aquecendo a piscina e as águas
deverão, teoricamente, estar aquecidas igualmente
em todos os pontos da piscina. Certo?
Então vamos correlacionar novamente com o
Oceano Pacífico. O ventilador desligado ou
em potência mínima, significa neste
caso o enfraquecimento dos ventos alísios.
Veja que os ventos não param de soprar. Em
algumas regiões do Pacífico ocorre
até a inversão dos ventos, ficando
estes de oeste para leste. Agora, todo o Oceano
Pacífico Equatorial começa a aquecer.
E como dito anteriormente: aquecimento gera evaporação
com movimento ascendente que por sua vez gera a
formação de nuvens. A diferença
agora é que ao invés de observarmos
a formação de nuvens com intensas
chuvas no Pacífico Equatorial Ocidental,
vamos observar a formação de nuvens
principalmente no Pacífico Equatorial Central
e Oriental
Padrão
de circulação observada em anos
de El Niño na região equatorial
do Oceano Pacífico. Nota-se que os
ventos em superfície, em alguns casos,
chegam até a mudar de sentido, ou seja,
ficam de oeste para leste. Há um deslocamento
da região com maior formação
de nuvens e a célula de Walker fica
bipartida. No Oceano Pacífico Equatorial
podem ser observadas águas quentes
em praticamente toda a sua extensão.
A termoclina fica mais aprofundada junto à
costa oeste da América do Sul principalmente
devido ao enfraquecimento dos ventos alísios.
Figura gentilmente cedida pelo Dr. Michael
McPhaden do Pacific Marine Environmental Laboratory
(PMEL)/NOAA, Seattle, Washington, EUA.